30 de janeiro de 2012

UMA HISTÓRIA DE AMOR

Uma história de amor
Estava um grupo de amigos à conversa. Na verdade, havia alguns amigos, misturados com conhecidos, e ainda algumas pessoas que só conheciam dois ou três dos presentes. Um grupo heterogéneo que se juntou, quase por acaso, naquele final de tarde.

E falava-se de amor e relações amorosas, e trocavam-se ideias, umas mais banais que outras, todas elas próprias de pessoas que já viveram alguma coisa, que já se desiludiram um bocadinho, mas que ainda querem acreditar. O normal, portanto.

Até que uma das presentes, que até ali limitara a sua participação a frases soltas e um permanente e muito genuíno sorriso, decidiu falar. E disse assim (omito ou mudei pormenores, porque a história é verdadeira):

“Eu sou feliz e quero ser feliz todos os dias porque acredito no amor, e porque tenho uma história que me faz acreditar e a isso me leva. Há muitos anos, a minha mãe, certa manhã, ao chegar ao emprego, deparou com um jovem, muito mais novo que ela, com um aspecto muito descontraído, sentado num muro junto à entrada. Olhou para ele – contou-me mais tarde, evidentemente, eu não era ainda nascida –, e ficou petrificada. A palavra que ela usa é “petrificada”. A minha irmã mais velha, que ia com ela, puxou-a pela mão, ‘anda mãe!’, mas a minha mãe parecia que não conseguia andar. Sentiu algo fortíssimo, uma atracção, uma empatia, algo que não sabia explicar.

Apesar de o seu casamento viver uma crise, não estava no horizonte da minha mãe mudar de vida. Sucede que, uns dias depois, o marido, que trabalhava no mesmo local, chegou a casa e contou-lhe que um jovem que estava na empresa há poucos dias precisava de umas explicações para desenvolver a área onde se movimentava. A empresa decidira que era ela, minha mãe, quem o deveria acompanhar. Ao final da tarde, fora do horário de trabalho, numa espécie de “aula extra”. A minha mãe disse que sim, não imaginando quem seria o novo funcionário.

Quando lhe apareceu à frente, o mundo desabou: era o tal rapaz que ela tinha visto à entrada da empresa...

... A minha mãe tinha filhos, estava casada, e apesar da crise emocional, estava longe de qualquer atitude radical. Mas o que sentiu por aquele rapaz - dez anos mais novo do que ela... - foi tão forte, tão profundo, tão intenso, que se atirou de cabeça. Deitou tudo a perder, desfez a família, e juntou-se àquele homem – que é meu pai, e com quem a minha mãe está há 35 anos. Feliz todos os dias do ano. E ainda hoje apaixonada como naquele tempo inicial.

Numa primeira reacção, a família tentou tudo para evitar o que considerava uma leviandade e um disparate: as irmãs deixaram de falar à minha mãe, os amigos desapareceram, todo o mundo se virou contra ela. Mas a minha mãe não desistiu nem se deixou vencer. E um dia disse-me esta frase que eu nunca esquecerei e que explica tudo:

- Minha filha, eu teria aquela família por toda a vida, mesmo que me ignorasse ou maltratasse. Agora, a felicidade, eu sabia que tinha com aquele homem, nem que fosse por um minuto. E nada me garantia que de outra forma a tivesse, por um minuto ou para o resto da vida”.

Há 35 anos que aquele casal está junto, há 35 anos que esta filha, que agora nos conta a história dos seus pais, vive com um sorriso rasgado e lindo. Tendo estado certa vez entre a vida e a morte, ela pensou: “eu não posso menosprezar o exemplo da minha mãe”. Venceu a morte, e no regresso mudou de vida para ter a certeza de que não escaparia à felicidade. Não escapou. E ei-la à minha frente, num fim de tarde inesperado que me deixou sem palavras. Ou melhor, que me deixou com a sua história no colo e uma imensa vontade de a contar. Aqui fica

DE JORGE ROLO DUARTE

1 comentário:

Que Ele cresça e eu diminua disse...

Muito arriscado o que ela fez, ainda mais movida por um sentimento. Há muito mais por trás desta história que, provavelmente, não foi contado. Acredito que todos temos a chance de sermos felizes, mas não penso que, se meu casamento passa por uma crise e me apaixono por alguém na rua, devo abandonar tudo, afinal de contas, quando machuco o braço, cuido da ferida, mas não arranco ele.