5 de janeiro de 2011

UM HOMEM "QUE NÃO É DO PAÍS"

Aconteceu no comboio que vai da cidade do México a Guadalajara. Um homem pobremente vestido, coxeando com uma "perna de pau"...
Um homem que "não é do país". Tal como eu.
Começámos a conversar. É um espanhol. Um "vermelho".
A perna, perdeu-a nos desfiladeiro de uma cadeia de montanhas a que também chamam Gualadajara, mas ficam perto de Madrid. Foi vencido, exilado e abandonado. Está pobre e só. Gostaria de encontrar algumas palavras que o pudessem ajudar um pouco, sem o HUMILHAR uma piedade ridícula que o seu olhar REPELIU de antemão...
Sem dúvida adivinhou o meu pensamento, pois apressou-se a dizer-me:" NÃO PRECISO DE COMPAIXÃO", ou melhor, já não preciso.
Aconteceu-me, senhor, uma coisa maravilhosa...
E como os meus olhos o interrogassem prosseguiu:
...Foi há algumas semanas. Andava vagueando pelos subúrbios do México. Um domingo. O domingo é um dia terrível para quem está só...Chovia...Saí do café...Ia para outro? Ir ao cinema?
Vamos ao cinema, disse para mim mesmo...
Havia ali perto uma sala iluminada.
Entrei, sem mesmo olhar para os cartazes. Se os tivesse visto, talvez tivesse prosseguido caminho até à próxima taberna... Como chovia, entrei na sala escura...Estavam projetando Monsieur Vicent. Vi a fita e deixei-me ficar para a segunda sessão, para ver e saber melhor.
Então compreendi.
Fez-se silêncio. O combóio espirrando, ofegando, trepidando, atirou-nos um instante um para cima do outro. Isto fê-lo sair do seu sonho...
...e continuou...
...as barricadas, o ódio, as revoluções, tudo isso não vale nada.A violência atrairá violência.A matéria deixa rastos vizíveis E afinal serão sempre os pobres, os pequenos e os infelizes a pagar.
O mundo só se poderá salvar com a bondade, com a caridade, sem caridadezinha.
Há dois mil anos que o sabemos- disse-lhe eu.
Ele olhou-me de soslaio.
-O senhor é cristão?-perguntou-me
-E o senhor também?-repliquei-lhe
Estremeceu, abriu a boca para protestar e peguei-lhe no braço:
Lembra-se...
- Ah,sim! Quando era pequeno...com certeza, na minha aldeia, erguia as mãos, dizia palavras, mas mais nada...Eram hábitos de rotina. Mais tarde não tive nada que renegar, pois não tinha compreendido...Depois vi coisas que me tinham revoltado.
Certas pessoas santinhas, que todos os domingos estão no primeiro banco da igreja, com lugeres reservados e genuflexórios de veludo...curvam a cabeça com humildade, mas durante a semana são só arrogância, insensibilidade , crueldade, que no domingo seguinte batem com a mão no peito...
-Esses não arriscam nada-disse-lhe eu, Não têm coração!
O homem sorriu e olhou-me como um amigo. Seu olhar perdeu-se de vista por muito tempo...
Chegámos a Gualadajara.
Pegou na sua pequena mala, deitou pelos ombros um impermeável sujo e muito usado. Na madrugada tornava-se um homem triste só e triste.
Eu procurava uma palavra que curasse sem ferir...
Foi ele quem me estendeu a mão e,em voz baixa como em confidência:
-Tudo isto-disse-me ele- pertence ao passado. Agora sei que a CARIDADE pode salvar os homens e eu gostaria de encontrar Deus.
Basta que os verdadeiros cristãos sejam semeadores do AMOR.

de RAOUL FOLLEREAU

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