24 de julho de 2010

SENTIDO CRISTÃO DA MORTE

a) É Importante Aprender a Viver e a Morrer
Morrer... Eis a derradeira possibilidade de renascer.

A consciência da nossa morte ilumina o sentido que a vida tem.
Os animais não sabem que irão morrer mas também não têm capacidade de criar sentidos para viver.
Com efeito, os sentidos da vida e da morte caminham a passo igual.
O horizonte mais amplo do sentido que a vida tem acontece na fase terminal.
Nessa altura descobrimos que há causas que valem para morrer que valem igualmente para viver: o amor.
Jesus disse que o sentido máximo do amor é dar a vida pelas pessoas que amamos.
Quem ama até à morte nasce para a plenitude da vida.
Felizes dos que gastam a vida pelas causas do amor. Para estas pessoas, a morte final já não tem o sentido de uma tragédia sem saída. De facto, souberam ir morrendo todos os dias ao homem egoísta que há em todos nós.
Este homem egoísta é o homem velho que torna a morte uma tragédia.
Morrer para dar vida é a maneira mais perfeita de rebentar os muros da própria finitude.
O Homem Novo não pode nascer sem que o velho vá morrendo.
Não nasce a vida nova sem que a velha se vá gastando pelas causas do amor. Felizes dos que sabem ir morrendo, dando vida aos outros.
Na verdade, há seres humanos que estão a renascer todos os dias para a plenitude da vida. São as pessoas que sabem morrer em cada dia ao egoísmo que há nelas.
Em geral, as pessoas, ao tomarem consciência da proximidade da morte, sentem-se mais profundamente chamadas a gastar a vida pelo amor.
Na verdade, é o amor torna fecunda a vida das pessoas. Por isso a consciência da proximidade da morte é um apelo a amar mais plenamente.
Morrer...
Parto fundamental para o nascimento definitivo. Convite a criar sentidos para viver.
À luz da fé, a morte surge como o rebentar da casca do ovo em cujo interior está a germinar o pintainho, a interioridade pessoal e espiritual.
Por ser espiritual, a nossa interioridade pessoal não cai sob a alçada da morte.
O eu exterior ou individual acaba no cemitério. Entra nos circuitos físicos e químicos da natureza.
A nossa interioridade pessoal-espiritual, pelo contrário, entra na plenitude da comunhão universal. A morte é a porta para esta entrada definitiva.
Sabemos que não há ressurreição sem morte.
Felizes são as pessoas que sabem aproveitar a vida presente para construir a vida pessoal espiritual.
A razão da nossa vida na história não é apenas prolongar a vida mortal, mas construir a vida eterna.
De facto, apenas o nosso ser interior, por ser pessoal e espiritual, tem densidade de vida eterna.
Vista a esta luz, a morte é condição para atingirmos a nossa glorificação com Cristo Ressuscitado.
Graças ao mistério da Encarnação, a salvação já está ao nosso alcance!
O Filho de Deus fez-se nosso irmão, a fim de sermos membros da família divina.
Mediante esse parto derradeiro que é a morte, nascemos para a vida em plenitude. Nascemos definitiva e plenamente para Deus.
A morte é a última possibilidade que nos é dada para conquistarmos a vida eterna.
Ao anular o nosso ser exterior ou individual, a morte possibilita a libertação definitiva do eu interior, pessoal e espiritual.
Esta é a condição para entrarmos na intimidade de Deus, Família primordial.
A morte não mata a pessoa. Apenas destrói o nosso ser exterior, o qual é individual, biológico, psíquico, linguístico, rácico e espácio-temporal.
Cristo Ressuscitado tornou-se para nós a Árvore da Vida. É ele que nos oferece o fruto que nos proporciona a vida eterna.
O nome deste fruto é Espírito Santo, a terceira pessoa da Trindade Divina.
Com seu jeito maternal de amar, O Espírito Santo configura-nos interiormente com Cristo e introduz-nos na Família Divina (Rm 8, 14-17; Ga 4, 4-7).
Somos gerados de novo pelo Espírito Santo. Jesus insistiu que temos de nascer de novo pelo Espírito Santo.
Graças a Cristo ressuscitado, voltamos a ter acesso ao fruto da vida eterna do qual Adão nos tinha privado (cf. Gn 3, 22-24).
O Paraíso, fechado por Adão, foi reaberto para todos nós em Jesus Cristo.
De Adão, homem tirado da terra, veio o nosso ser individual, exterior e mortal.
Do Novo Adão, Cristo ressuscitado, veio o Homem Novo, espiritual e membro da Família de Deus.
São Paulo diz que Cristo Ressuscitado é o Novo Adão (Rm 5, 17-19).
Ele é a cabeça da restaurada. É o medianeiro da reconciliação universal com Deus (2 Cor 5, 17-19).
Por Ele veio a plenitude humana, isto é, o Homem assumido e integrado na Comunhão Universal do Reino de Deus.
E deste modo somos organicamente inseridos na comunhão da Santíssima Trindade.
Eis o novo nascimento que culmina na nossa divinização.
Mas só pela morte entramos nesta plenitude da vida eterna.
O Espírito Santo, fruto precioso da Árvore da Vida, é o Espírito de Cristo, pois vem em nome de Cristo inserir-nos na Comunhão Familiar de Deus.
Ao morrer, Cristo destruiu a nossa morte.
Ao Ressuscitar, restaurou a nossa vida, incorporando-a na comunhão familiar da Santíssima Trindade.

b) A Vida Que Vence a Morte
A curva da vida a caminhar para a morte é implacável e impõe-se a todos os seres constituídos pela vida natural.
Os passos fundamentais desta curva a orientar-se para a morte são: nascimento, crescimento, envelhecimento e morte.
Apenas a vida pessoal, por ser espiritual, escapa à ditadura implacável desta curva da vida a caminhar para a morte.
O ser humano está a realizar-se como pessoa. Realizar-se como pessoa implica uma série de relações, compromissos e realizações marcadas com a densidade da fraternidade e amor.
A humanização dos seres humanos tem uma vertente exterior, isto é, social e histórica e outra espiritual ou interior.
Crescer como interioridade pessoal-espiritual significa emergir progressivamente como interioridade livre, consciente, responsável, única, original, irrepetível e capaz de interagir amorosamente com as outras pessoas, sejam humanas ou divinas.
A este nível, a pessoa humana transcende a curva da vida natural a caminhar para a morte.
Por outras palavras, a nível pessoal-espiritual não estamos talhados para terminarmos no vazio da morte.
Nascemos para renascer mediante o Espírito Santo, diz o evangelho de São João (Jo 3, 3-6).
Renascemos na medida em que emergimos como interioridade pessoal.
Este renascimento acontece mediante relações de amor e comunhão.
A comunhão com os irmãos culmina na comunhão familiar da Santíssima Trindade.
Nascemos para entrar na dinâmica da humanização cuja lei é: emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a Comunhão Universal do Reino de Deus.
Emergir como pessoa significa crescer em densidade espiritual e capacidade de interagir com os outros em dinâmica de comunhão.
A plenitude da pessoa, portanto, não está em si, mas na comunhão com os outros.
O ser humano está a realizar-se em duas dimensões: a exterior ou eu individual e a interior que é o eu pessoal-espiritual.
A nossa interioridade espiritual emerge no interior do eu individual como o pintainho dentro do ovo.
Virá um dia em que o ovo vai rebentar e o pintainho nasce para a comunhão universal.
A morte é este rebentamento da casca do ovo, condição para que o pintainho possa atingir a sua plenitude na Comunhão Universal do Reino de Deus.
Cada pessoa é um ponto de encontro através do qual podemos entrar em comunhão com a Humanidade e a Divindade.
É como um “link” através do qual podemos conectar com Deus e o Homem.
A maneira correcta de abrir este “link” é abeirar-nos dele com respeito pela dignidade da pessoa humana e veneração pela sua condição de filho amado de Deus.
O drama está quando o “link” se enrosca sobre si mesmo.
Neste caso, deixa de ser uma mediação para, através dele, encontrarmos Deus e o Homem.
Nascemos para renascer, emergimos como pessoas a convergir para a comunhão. A interioridade pessoal cresce em dinâmica de relações e tem densidade de vida eterna.
A Divindade é pessoas e a Humanidade também.
A plenitude não é constituída por pessoas isoladas, mas pela comunhão das pessoas.
Por isso existe uma só Divindade, apesar de serem três pessoas.
Do mesmo modo só existe uma Humanidade, apesar de serem biliões as pessoas que a constituem.
Fechada em si e separada da dinâmica da comunhão, a pessoa está estado de perdição.
Apenas em relação com os outros a pessoa se possui e encontra a sua plena identidade. Isolada da comunhão, a pessoa fica em estado de inferno.
Somos pessoas realizadas na medida em que temos um coração capaz de eleger o outro como alvo de bem-querer.
Com efeito, a pessoa tem a capacidade de eleger os outros como irmãos, para lá dos laços do sangue.
Foi assim que as pessoas divinas nos elegeram como membros da sua Família: filhos em relação a Deus Pai e irmãos em relação a Deus Filho.
O Espírito Santo é a pessoa que anima as relações familiares entre Deus e o Homem. Por isso o Filho de Deus encarnou pelo Espírito Santo.
As pessoas humanas não são iguais às divinas em densidade e plenitude, mas são-lhe proporcionais. Por isso pode acontecer comunhão entre o Homem e Deus.
As pessoas humanas são resultado de um processo de realização histórica.
A nossa identidade pessoal é histórica. Para nos dizermos temos de contar uma história. Seremos eternamente segundo nos realizemos agora.
As pessoas divinas, pelo contrário, são uma emergência permanente de perfeição pessoal infinita em total convergência de comunhão amorosa.
Não nascemos feitos, pois nascemos para renascer. O nosso ser exterior ou individual mede-se por quilos, densidade de emoções e propriedades adquiridas. É avaliado pelo que tem.
O interior pessoal-espiritual, pelo contrário, mede-se pela capacidade de amar e comungar. Não vale pelo que tem mas pelo que é.
É a nossa identidade definitiva. De facto, dançaremos eternamente o ritmo do amor com o jeito com que treinarmos agora.
Nascemos para emergir como interioridade livre, consciente e responsável. Estamos talhados para a comunhão com Deus.
Por outras palavras, a plenitude da Humanidade acontece mediante a assunção ou incorporação na comunhão com a Divindade.
Eis o sentido desta fome de renascer que levamos connosco: Transcender os limites do eu individual e emergir como eu pessoal espiritual.
O nosso ser individual está votado à morte. O seu fim é o cemitério. É como a casca do ovo que, depois de o pintainho ter nascido, entra nos circuitos físicos e químicos da Natureza.
Apenas a nossa interioridade pessoal, por ser espiritual e proporcional a Deus, pertence à esfera da transcendência. O sentido profundo da existência não é apenas prolongar a vida mortal, mas construir a vida imortal.
Eis a razão pela qual nascemos para renascer. Dos pais recebemos a vida individual, isto é, o nível biológico e psíquico do nosso ser.
Por isso temos de renascer pelo Espírito (Jo 3, 3-6).
Na medida em que emerge a nossa interioridade espiritual, passamos a pertencer à galáxia da vida personificada.
É este o nível da vida eterna constituída pela comunhão das pessoas divinas, humanas e todas as outras que possam existir.
O nosso ser exterior ou individual acaba no silêncio da solidão cósmica, tal como as plantas ou animais após a morte.
O interior pessoal, pelo contrário, está chamado à plenitude amorosa da Comunhão Universal.
Para os cristãos, esta plenitude chama-se Reino de Deus ou Reino dos Céus.
No mais íntimo do nosso ser, portanto, está a emergir esse núcleo espiritual que se constitui de modo gradual e progressivo em densidade pessoal livre, consciente, responsável, único, original, irrepetível e capaz de comunhão amorosa.
Eis o que significa termos sido criados à imagem e semelhança de Deus e estarmos a caminhar, não para o cemitério, mas para a comunhão dos ressuscitados com Cristo.
É neste núcleo pessoal e espiritual que habita o Espírito Santo como num Templo. É este o coração do nosso ser onde foi derramado o amor de Deus pelo Espírito Santo que nos é dado (Rm 5, 5).
É neste santuário construído não pelo homem mas por Deus que o Espírito Santo torna presente e eficaz a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo e o Amor de Deus nosso Pai.
Renascer significa abrir-se à dinâmica da salvação que Deus nos concede em Cristo ressuscitado
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de Calmeiro Dias

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