A virtude da pureza está intimamente vinculada à esperança cristã da ressurreição dos corpos. Foi por esta tese original que o Penitenciário - Mor da Santa Igreja Romana abordou o tema da castidade, em homilia pronunciada no Santuário de Fátima
Cardeal James Francis Stafford
Penitenciário-Mor da Santa Igreja Romana
O tema deste ano no Santuário de Fátima é "O Sexto Mandamento: guardar a castidade" Esse Mandamento chama o batizado à prática da pureza Ele abrange a sexualidade humana em sua totalidade e está intimamente relacionado com o Nono Mandamento, o qual diz respeito diretamente à purificação do coração Ambos insistem no fato de que a continência absoluta é um dever para todos aqueles que não estão unidos pelos laços do matrimônio legítimo Quero examinar uma realidade exclusivamente cristã: a virtude da pureza Ela é a mais misteriosa das virtudes Nunca os cristãos teriam pensado nela, se não tivessem olhado para além, para a ressurreição dos corpos.
A pureza e a castidade interessam tanto aos casados quanto aos solteiros
Em 1956 Flannery O'Connor, uma escritora católica do sul dos Estados Unidos, desenvolveu a seguinte tese: a pureza e a castidade interessam tanto a quem é casado como a quem não o é. Segundo afirma ela, a pureza envolve mais do que uma renúncia: "Não creio que a renúncia combine com a submissão, ou que a renúncia seja boa em si mesma. Nós sempre renunciamos a um bem menor em favor de um maior; o oposto é que constitui o pecado". (...) Muitos, ainda influenciados pelo mecanicismo do séc. XIX, acreditam que os ensinamentos da Igreja sobre as virtudes são terríveis, e repudiam especialmente qualquer ensinamento dela relativo às virtudes da castidade e da pureza. Essas pessoas ridicularizam a observância do Sexto Mandamento, como algo que causa desequilíbrio emocional, considerando essa observância até mesmo repulsiva e contra a natureza. (...)
A ressurreição dos corpos é um incentivo à prática da castidade
Numa carta de 1955 [Flannery O'Connor] revela a profundidade de sua fé e, de modo audaz e brilhante, fundamenta na ressurreição dos corpos a origem da virtude da pureza "Para mim o nascimento virgem, a Encarnação, a ressurreição, são as verdadeiras leis da carne e do físico. Morte, decadência, destruição, são a suspensão dessas leis. Fico sempre atônita diante da ênfase que a Igreja põe no corpo. Ela diz que não é a alma, mas o corpo que ressuscitará glorificado Sempre pensei que a pureza fosse a mais misteriosa das virtudes, mas me vem à mente que nunca teria sido possível convencer a consciência humana a respeito da pureza, se não tivéssemos em conta a ressurreição do corpo, que será carne e espírito unidos na paz, como o foram em Cristo. A ressurreição de Cristo parece ser o ponto mais elevado da lei da natureza" O'Connor quer dizer que é essencial recordar o mistério pascal de Cristo, e exatamente sobre ele deve o batizado construir o fundamento e a motivação para a prática da virtude da pureza e de todas as outras virtudes. São Paulo nos ensinou exatamente essa norma, quando escreveu: "No mais, irmãos, aprendestes de nós a maneira como deveis proceder para agradar a Deus - e já o fazeis. Nós vos rogamos, pois, e vos exortamos no Senhor Jesus a que progridais sempre mais. (...) Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação; que eviteis a impureza" (1 Ts 4, 1-3). (...)
Deus julgará o imoral e o adúltero
A Carta aos Hebreus fala das virtudes que devem regular as relações entre os cristãos. (...) No final, o autor salienta o tema catequético escolhido para o ano 2006 pelo Santuário de Fátima: o Sexto Mandamento, proteger a castidade. Trata da pureza do marido: "Vós todos considerai o matrimônio com respeito e conservai o leito conjugal imaculado, porque Deus julgará os impuros e os adúlteros" (Hb 13, 4) Com essas exortações morais, o autor da Epístola aos Hebreus deu claramente forma a uma vida totalmente nova, na qual o ser humano tem sido forjado sob a tutela da fé no Deus de Jesus Cristo. Ele introduz a parte moral de sua carta com a proclamação da unidade indivisível da fé e da vida: "Desse modo, cercados como estamos de uma tal nuvem de testemunhas, desvencilhemo-nos das cadeias do pecado. Corramos com perseverança ao combate proposto, com o olhar fixo no autor e consumador de nossa fé, Jesus. Em vez de gozo que se Lhe oferecera, Ele suportou a cruz e está sentado à direita do trono de Deus" (Hb 12, 1-2) A inviolabilidade da castidade conjugal é um tema preeminente na Igreja dos Primeiros Tempos. Santo Inácio de Antioquia escreve a Policarpo: "Diga às minhas irmãs para amarem o Senhor e para serem contidas com seus maridos no corpo e no espírito. Do mesmo modo encarregue os meus irmãos, também em nome de Jesus Cristo, de amarem suas esposas como o Senhor ama a Igreja"
A recordação de Santa Maria Goretti
Recordo-me que fui profundamente tocado pela canonização, em 24 de junho de 1950, da jovem virgem e mártir, Maria Goretti. Naquela ocasião estavam presentes na Praça de São Pedro sua mãe e seu assassino, Alexandre Serenelli. Na época da canonização, pelo martírio em defesa de sua pureza, eu tinha 17 anos Ela tornou-se a santa da minha geração, graças ao seu testemunho de pureza e de coragem. O seu martírio teve início, na realidade, em 5 de julho de 1902. A família de seu agressor dividia a mesma casa com os Goretti. Foi arranjada sobre um antigo celeiro, entre as pobres granjas dos campos pontinos, ao sul de Roma Seu agressor, Alexandre, tinha 20 anos quanto atacou Maria, que tinha 12. Mais tarde ele testemunhou que Maria lhe suplicava que ele parasse, para a salvação da alma dele, e o exortava a não cometer um pecado tão grave. No dia seguinte, antes de morrer em conseqüência das facadas recebidas, ela o perdoou e pediu que Deus esquecesse tudo quanto ele tinha feito Como Flannery O'Connor, Santa Maria Goretti compreendeu que a pureza estava intimamente ligada com a dignidade do corpo humano. Ela conhecia o pensamento da Igreja a esse respeito, ou seja, que não é a alma, mas o corpo que ressuscitará glorioso. Com a Igreja, ela repetia todos os domingos: "Creio na ressurreição dos corpos". Ela deu testemunho deste mistério: a Encarnação e a Ressurreição de Jesus são as verdadeiras leis da natureza, da carne e do físico Santa Maria Goretti, rogai por nós! Maria de Nazaré, Mater Castissima, rogai por nós!
(Homilia no Santuário de Fátima, 12/7/2006. Texto integral em http://www.vatican.va/roman_curia)
O Cardeal Francis James Stafford é Penitenciário-Mor da Santa Igreja Romana. Esse cargo o faz responsável, diante do Papa, do Tribunal da Penitenciaria Apostólica, o qual tem jurisdição sobre o foro interno - as consciências - mesmo em matéria não-sacramental, e a ele competem a concessão e o uso das indulgências. O cargo de Penitenciário- Mor é um dos poucos cujas atribuições não cessam com a morte do Papa.
(Revista Arautos do Evangelho, Set/2006, n. 57, p. 38 e 39)
21 de junho de 2010
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