6 de dezembro de 2009

CONCLUSÃO DA CARTA "DIES DOMINI" DO PAPA JOÃO PAULO II




CONCLUSÃO

81. Verdadeiramente grande é a riqueza espiritual e pastoral do domingo, tal como a tradição no-la confiou. Vista na totalidade dos seus significados e implicações, constitui, de algum modo, uma síntese da vida cristã e uma condição necessária para bem a viver. Compreende-se, assim, por que razão a Igreja tenha particularmente a peito a observância do dia do Senhor, permanecendo ela uma verdadeira e própria obrigação no âmbito da disciplina eclesial. Mas, uma tal observância, antes ainda de ser sentida como preceito, deve ser vista como uma exigência inscrita profundamente na existência cristã. É de importância verdadeiramente capital que cada fiel se convença de que não pode viver a sua fé, na plena participação da vida da comunidade cristã, sem tomar parte regularmente na assembleia eucarística dominical. Se se realiza na Eucaristia aquela plenitude de culto que os homens devem a Deus e que não tem comparação com qualquer outra experiência religiosa, uma expressão particularmente eficaz disso verifica-se precisamente quando, ao domingo, se congrega toda a comunidade, obedecendo à voz do Ressuscitado que a convoca para lhe dar a luz da sua Palavra e o alimento do seu Corpo, como fonte sacramental perene de redenção. A graça, que dimana dessa fonte, renova os homens, a vida, a história.

82. É com esta intensa convicção de fé, acompanhada pela consciência do património de valores, mesmo humanos, presentes na prática dominical, que, hoje, os cristãos devem olhar as solicitações de uma cultura que proveitosamente assumiu as exigências de repouso e tempo livre, mas vive-as amiúde de modo superficial e, às vezes, é seduzida por formas de divertimento que são moralmente discutíveis. O cristão condivide certamente com os outros homens o gozo do dia de descanso semanal; mas, ao mesmo tempo, tem viva consciência da novidade e originalidade do domingo, dia em que ele se sente chamado a celebrar a sua salvação e a da humanidade inteira. Se o domingo é dia de alegria e descanso, isso resulta precisamente do facto de ser o « dia do Senhor », o dia do Senhor ressuscitado.

83. Sentido e vivido assim, o domingo torna-se de algum modo a alma dos outros dias, como o supõe uma reflexão de Orígenes, segundo a qual o cristão perfeito « vive sempre no dia do Senhor, celebra sempre o domingo ». (131) Este é uma autêntica escola, um itinerário permanente de pedagogia eclesial; pedagogia insubstituível, sobretudo nas condições da sociedade actual, sempre mais intensamente marcada pela fragmentação e pluralismo cultural, que põem continuamente à prova a fidelidade dos cristãos às exigências específicas da sua fé. Em muitas partes do mundo, desenha-se a condição dum cristianismo da « diáspora », isto é, provado por uma situação de dispersão tal que os discípulos de Cristo já não conseguem manter facilmente os contactos entre eles, nem gozam do apoio das estruturas e tradições próprias da cultura cristã. Neste contexto problemático, a possibilidade de se encontrar ao domingo com todos os irmãos da mesma fé, trocando entre si os dons da fraternidade, é uma ajuda imprescindível.

84. Instituído para amparo da vida cristã, o domingo adquire naturalmente também um valor de testemunho e anúncio. Dia de oração, de comunhão, de alegria, ele repercute-se sobre a sociedade, irradiando sobre ela energias de vida e motivos de esperança. O domingo é o anúncio de que o tempo, habitado por Aquele que é o Ressuscitado e o Senhor da história, não é o túmulo das nossas ilusões, mas o berço dum futuro sempre novo, a oportunidade que nos é dada de transformar os momentos fugazes desta vida em sementes de eternidade. O domingo é convite a olhar para diante, é o dia em que a comunidade cristã eleva para Cristo o seu grito: « Maranatha: Vinde, Senhor! » (1 Cor 16,22). Com este grito de esperança e expectativa, ela faz-se companheira e sustentáculo da esperança dos homens. E domingo a domingo, iluminada por Cristo, caminha para o domingo sem fim da Jerusalém celeste, quando estiver completa em todas as suas feições a mística Cidade de Deus, que « não necessita de Sol nem de Lua para a iluminar, porque é iluminada pela glória de Deus, e a sua luz é o Cordeiro » (Ap 21,23).

85. Nesta tensão para a meta, a Igreja é sustentada e animada pelo Espírito. Este refresca a sua memória, e actualiza para cada geração dos crentes o acontecimento da Ressurreição. É o dom interior que nos une ao Ressuscitado e aos irmãos na intimidade de um único corpo, reavivando a nossa fé, infundindo no nosso coração a caridade, reanimando a nossa esperança. O Espírito está presente ininterruptamente em cada dia da Igreja, irrompendo, imprevisível e generoso, com a riqueza dos seus dons; mas, na assembleia dominical congregada para a celebração semanal da Páscoa, a Igreja coloca-se especialmente à escuta d'Ele e com Ele tende para Cristo, no desejo ardente do seu regresso glorioso: « O Espírito e a Esposa dizem: "Vem!" » (Ap 22,17). Foi precisamente em consideração do papel do Espírito que eu desejei que esta exortação a descobrir o sentido do domingo viesse à luz este ano que, dentro da preparação imediata para o Jubileu, é dedicado precisamente ao Espírito Santo.

86. Confio o acolhimento frutuoso desta Carta Apostólica pela comunidade cristã à intercessão da Virgem Santa. Sem nada tirar à centralidade de Cristo e do seu Espírito, Ela está presente em cada domingo da Igreja. Exige-o precisamente o mistério de Cristo: de facto, como poderia Ela, Mater Domini e Mater Ecclesiæ, não estar presente a título especial no dia que é simultaneamente dies Domini e dies Ecclesiæ?

Para a Virgem Maria, olham os fiéis que escutam a Palavra proclamada na assembleia dominical, aprendendo com Ela a conservá-la e meditá-la no seu coração (cf. Lc 2,19). Com Maria, aprendem a estar ao pé da cruz, para oferecer ao Pai o sacrifício de Cristo e associar ao mesmo a oferta da própria vida. Com Maria, vivem a alegria da ressurreição, fazendo suas as palavras do Magnificat que cantam o dom inexaurível da misericórdia divina no fluxo inexorável do tempo: « A sua misericórdia estende-se de geração em geração sobre aqueles que O temem » (Lc 1,50). Domingo a domingo, o povo peregrino segue o rasto de Maria, e a sua intercessão materna torna particularmente intensa e eficaz a oração que a Igreja eleva à Santíssima Trindade.

87. A iminência do Jubileu, queridos Irmãos e Irmãs, convida-nos a aprofundar o nosso compromisso espiritual e pastoral. De facto, é este o seu verdadeiro objectivo. No ano em que aquele vai ser celebrado, muitas iniciativas o caracterizarão, dando-lhe aquele timbre singular que não pode deixar de ter a conclusão do segundo e o início do terceiro Milénio da Encarnação do Verbo de Deus. Mas este ano e este tempo especial passarão, dando lugar à expectativa de outros jubileus e de outras datas solenes. O domingo, com a sua ordinária « solenidade », permanecerá a ritmar o tempo da peregrinação da Igreja até ao domingo sem ocaso.

Exorto-vos, portanto, amados Irmãos no episcopado e no sacerdócio, a trabalhar incansavelmente, unidos com os fiéis, para que o valor deste dia sagrado seja reconhecido e vivido cada vez melhor. Isto produzirá frutos nas comunidades cristãs, e não deixará de exercer uma benéfica influência sobre toda a sociedade civil.

Os homens e as mulheres do terceiro Milénio, ao encontrarem a Igreja que cada domingo celebra alegremente o mistério donde lhe vem toda a sua vida, possam encontrar o próprio Cristo ressuscitado. E os seus discípulos, renovando-se constantemente no memorial semanal da Páscoa, tornem-se anunciadores cada vez mais credíveis do Evangelho que salva e construtores activos da civilização do amor.

A todos, a minha Bênção!

Vaticano, 31 de Maio, solenidade de Pentecostes, de 1998, vigésimo ano de Pontificado

Sem comentários: